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Fios de resistência

Preciso enviar um recado para o passado. O destinatário é um “barbeiro” que recebia as crianças em suas cadeiras para mais uma sessão de tortura. Bastava meu cabelo crescer meio centímetro e ali eu estava fugindo da repressão de uma sociedade que temia ser identificada como “Jackson Five”. Não compreendia bem sobre quem estavam se referindo, mas sabia que eram tão temidos quanto a sensação de ser violentado quando uma espécie de garfo cortante perpetrava pela superfície capilar do meu crânio.

A ferramenta cortante traumatizou outras muitas crianças da época. Para além de tentar suportar a sensação de estarem retirando fio por fio, a apresentação do “novo visual” era tão perceptiva entre os que conviviam comigo na escola e fora dela, que logo corriam para tapear minha cabeça com a justificativa de “cortou o cabelo e não me avisou!” Avisou o que e a quem? Era a pergunta que eu sempre tinha quando o tal barbeiro, todo orgulhoso por ter “derrubado a mata”, finalizava seu ato violento, queria dizer, seu trabalho.

Entretanto, ainda tinha outro dispositivo de poder operante naquela sociedade que me coloco no presente como remetente deste bilhete: o fato de aparecer com a cabeça raspada e de não ter sido mais uma vítima de um agente da segurança pública, cujo nome remete a sonoridade de “ABSOLUto”. O famoso “dotô delegado” que aterrorizava a periferia de Vitória da Conquista, hegemonicamente preta! Um dia desses, cheguei a encontrar o dito cujo apreciando uma roda de capoeira em que eu estava jogando. Não minto que fui reacionário e cobrei o dever de memória sobre os corpos desaparecidos naquele período, principalmente quando tive a oportunidade de conversar com o mesmo durante 2 minutos!

Enfim, hoje percebo que cada fio que emaranha o formato Power que enquadra o formato do meu rosto, conecta com cada fio derrubado violentamente pelo meu destinatário. E mais resistentes cresceram outros novos, tornando-se velhos companheiros, estabelecendo este novo vínculo identitário e pronto para enraizar e ressurgir, agora, em tantas outras camadas capilares emergentes e insurgentes.

Atenciosamente Prof. Dr. Jonatan dos Santos Silva

Prof. Dr. Jonatan dos Santos Silva

Possui Licenciatura Plena em Educação Física na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (2008). Doutor (2023) e Mestre (2018) pelo Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, do Projeto de pesquisa: Memória Cultura e Educação e da Linha de pesquisa: Memória, Cultura e Cidade. Estudante do curso de especialização em Etnicidades, Educação e (De) Colonialidades, na UESB (2022). Atualmente é Professor Assistente junto ao Departamento de Saúde I, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB – Jequié), atuando como docente no curso de licenciatura em Educação Física. Contramestre de capoeira do Movimento Cultural Consciência Negra. É Professor regente na Rede Estadual de ensino público da Bahia, em Vitória da Conquista. Vencedor do concurso nacional de monografias sobre a cultura afro-brasileira realizado pelo ministério da cultura em 2010. Tem experiência em Educação Física, com ênfase nos conhecimentos da Cultura corporal: Dança, Lutas, Jogos, Esporte e Capoeira, investigando principalmente os seguintes temas: Capoeira, Cidade, Comunidades Tradicionais, História e Memória; Lazer; Corpo e Oralidade. É vice líder do grupo de pesquisa “CORPORHIS: Corpo, história e cultura”, CNPQ.

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