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Interprograma Memória e Imagem: Senhora Das Plantas – Rosana Paulino

Este interprograma denominado “Memória e Imagem: Senhora das Plantas – Rosana Paulino” foi construído na disciplina “Memória e imagem”, ministrada pelo professor Dr. Rogério Luiz Silva de Oliveira, do curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, em parceria com alunos do curso de Cinema.

Neste contexto, produzimos, a partir das discussões teóricas a respeito dessa mesma temática, contextualizado com os objetos de pesquisas em desenvolvimento pelo/as discentes (mestrado e doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Nesta perspectiva, construímos o interpograma a respeito da ancestralidade feminina focalizado numa discussão que traz interpretações a partir da experiência de uma pesquisa etnográfica em curso, que trilha caminhos no âmbito da ancestralidade negro-africana, retratando o saber ancestral feminino e seus mecanismos rituais. Em vista disso, a pesquisa supracitada coloca em análise a ancestralidade enquanto categoria analítica da memória que se desdobra na discussão de um saber fazer feminino, de uma construção epistemológica ancestral feminina.

Desenvolvemos uma discussão sobre a memória através das imagens produzidas pela artista visual Rosana Paulino, compreendendo que essas imagens geradas tem funções no processo contínuo em produzir, lembrar e manter a memória de uma visão de mundo de um tempo pretérito que perpassa pelos traumas do tráfico de pessoas do continente africano ao Brasil, escravização e enfrentamento a uma sociedade colonial, racista e patriarcal. Assim, as gravuras da artista retratam expressões de identidades evidenciadas de uma memória viva e presente continuamente, rotineiramente revivida através de gestos, rituais, mitos, condutas.

De acordo Ana Paula Ribeiro[1] há um movimento de privilégio de reflexões e narrativas a respeito das memórias e diásporas negras através das imagens com uma materialidade que aproxima imagens e memórias. Com isso, tem-se a abertura de um caminho a uma memória reconstituída, ressignificada que traz os sentidos de identidades.

Para tanto, a discussão parte das relações estabelecidas entre memória e imagem desses objetos/gravuras selecionadas, bem como, de como as pessoas os elegem para a construção de memórias de um feminino que é substantivamente construído historicamente, de forma, articulado e envolvido em significados distintos pelos grupos sociais ao longo da história e assim, concepções diversas são produzidas, sentidas, interpretadas. Numa construção dinâmica entre flutuações e revezes dentro de um contexto sociocultural e político como explica Sueli Carneiro[2].

Selecionamos as gravuras da artista visual Rosana Paulino, que compõem o trabalho artístico da artista visual brasileira, que também se dedica a diferentes mídias como desenho, escultura e vídeo, como pode ser vista no interprograma, para tecer interpretações a respeito desse feminino emanado de memória e ancestralidade fonte epistemológica de construção e interpretação de mundos, signos, símbolos apresentados em mitos narrados pelas mais velhas e mais velhos, sabedoria da tradição oral e mítica, retratados pelas gravuras que trazem uma relação direta do corpo feminino com as plantas e árvores, tendo em vista, um movimento para eternizar memórias das mulheres negras.

A Tela 01 selecionada para este trabalho, faz parte da série Jatobá, lançada no ano de 2019 e que compõe o livro “Búfala e Senhora das plantas”. Faz parte da série de desenhos em aquarela, momento em que a artista propõe uma descolonização imagética, evidenciando a memória das mulheres negras no Brasil como fonte de uma tradição ancestral que unifica a mulher, a natureza, a cultura e seu poder de ressignificação, construção, produtividade e fertilidade.

Nesta tela tem-se a imagem da mulher associada à árvore. A mulher é ao mesmo tempo corpo e árvore, estabelecendo uma relação com os ancestrais e a força que após ser restituída se expande e garante a continuidade, retratada por Paulino, através da árvore Jatobá, que toma forma feminina trazendo referências a este sagrado que é o princípio e a força do feminino, fonte das mulheres para enfrentamento de todas as adversidades provocadas por uma sociedade estruturada no racismo e sexismo.

Tal qual faz também na série “Senhora das plantas”, lançada em 2015, conforme pode ser observada na Tela 02. Nota-se que Paulino, nesta série, retrata a relação da mulher com a terra, à cura, ao alimento, às raízes, à mãe que nutre e cura. Nesse sentido, a planta associada a mulher em um complexo imagético interpretado segundo as construções sociais de uma episteme ancestral africana e afro-brasileira.

Tela 01 – Série Jatobá, 2019.                                       

Fonte: https://rosanapaulino.com.br/, 2022.     

 

Tela 02 – Série Senhora das plantas, 2015.

Fonte: https://rosanapaulino.com.br/, 2022.

 

 

Através do trabalho de Rosana Paulino percebe-se como a memória foi imprescindível às populações negras considerando o novo contexto diaspórico imposto por possibilitar ressignificar e reconstruir elementos civilizatórios de legado africano. O princípio ancestral da coletividade presente nas sociedades africanas foi acionado quando da necessidade de memorizar em conjunto, em coletivo.

Por fim, ao analisar as imagens percebemos a memória coletiva do feminino retratada, considerando que a concepção de feminino acontece de forma relacional partindo sempre de um contexto sociocultural. Desta forma, o texto alcançou a produção de uma memória coletiva do feminino construída a partir de ressignificações ancestrais mitológicas. A história vivida pelos povos negros onde se apoia suas memórias, possibilitou as narrativas de uma consciência histórica do feminino com problematizações envolvendo, entre outros fatores: a diversidade da experiência feminina nas diferentes sociedades vivenciadas e a compreensão da subjetividade da memória envolvida em uma complexidade histórica capaz de revelar uma riqueza cultural ancestral e uma diversidade epistemológica de sentidos e significados.

 


[1] RIBEIRO, Ana Paula Alves. Atravessamentos pós-coloniais, imagens e memórias: sobre os Filmes negros, de Mônica Simões, e Travessia, de Safira Moreira. p. 75-98. In. FARIAS, Edson et al. Memória e imagens: entre filmes, séries, fotografias e significações. 1. ed. Jundiaí-SP: Paço, 2020.

[2] CARNEIRO, Sueli. A força das mães negras. Le monde Diplomatique Brasil. Ed. 4. Brasil, 2007. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-forca-das-maes-negras/. Acesso em: 13 de novembro de 2023.

 

Viviane Sales Oliveira

Doutoranda em Memória: Linguagem e Sociedade (PPGMLS), pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; bolsista pela CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 2022-2027. Mestra em Relações Étnicas e Contemporaneidade, pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade (PPGREC-ODEERE-UESB); bolsista pela CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 2018-2020. Especialista em Antropologia com ênfase em Culturas Afro-Brasileiras, pelo Órgão de Educação e Relações Étnicas-ODEERE, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB. Bacharela em Administração, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Atuou na formação de gestores sociais e desenvolvimento de ações formativas e educativas para gestores sociais. Atuou como professora de Associativismo e Cooperativismo e disciplinas de cursos de extensão universitária. Atualmente integrante do corpo docente do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Etnicidade, Educação e (De) Colonialidades, promovido pelo Órgão de Educação e Relações Étnicas (ODEERE) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, campus Jequié-Ba.

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